sexta-feira, janeiro 14, 2005

Assédio

6h 40 da manhã. A pobre Andreinha sobe a Rua das Casas Iguais, enquanto seu relógio biológico lança claros sinais de desaprovação temporal. À sua frente, um homem leva um poodle para passear. Seguiu seu caminho em direção à estação ferroviária quando percebeu, astuta que é, que o indivíduo lhe lançava lânguidos olhares.
Não, vamos e venhamos, que tipo de pessoa leva um cachorro para passear às SEIS DA MANHÃ e fica paquerando indefesas e sonolentas garotinhas de olhos inchados? Só mesmo esses maníacos (olá Julio) urbanos.
Doente! Tarado doente!

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Muito me comovem as coisas que brilham.
Estou trabalhando agora no centro do mundo e, a altura da Consolação por onde passo, tem dezenas de lojas de lustres. Chego a lacrimejar ao ver aqueles, lindos, com pedrinhas de cristal, brilhando com a luz do sol.
Aind vou ter um, mesmo que seja caro, mesmo que fique cafona no meu quarto. Mas vou tê-lo e vou ficar lá, horas olhando pra ele...

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Crônica

EXAME DE URINA

Estava na fila de um laboratório para fazer exame de urina. Fila do SUS, gigantesca, lá pelas tantas do meio da rua.
Dentro da bolsa, o pote com seus fluídos corporais habilidosamente protegido por uma sacolinha de supermercado.
Permaneceu ali por longas dezenas de minutos, aguardando a sua vez. A cabeça vagando; ora bobagens, ora estratégias miraculosamente elaboradas visando um atendimento rápido e com a menor margem possível de constrangimento. A fila andando e ela a observar as pessoas, ato seu costumeiro. Sentia um leve divertimento interior ao imaginar que tipo de secreções os outros poderiam estar carregando. Na verdade, por não ter mesmo coisa melhor para pensar e para afastar o mal-humor de ter de ter tido de acordar cedo para ficar esperando, preferia ocupar sua cabeça com futilidades.
Começou, então, a repassar diversas vezes o plano da entrega: aguardar que houvessem apenas duas pessoas à sua frente, retirar o infame conteúdo de sua bolsa, jogar a sacolinha na lixeira à sua esquerda e entregar o pote para a atendente. Tudo cronometrado para ficar o menor tempo possível com o potinho nas mãos, que seria melhor para todos que fosse desse jeito pois que era, digamos assim, uma pessoa propensa a atrair situações inusitadas. Claro que não ousava pensar que fosse desastrada, palavra que não constava em seu vocabulário, pelo menos não para uso próprio. Era, antes, uma perseguida pelo destino. Isso.
Após gastar valiosos minutos na observação do ambiente à sua volta, e cheia das palpitações por não encontrar-se à vontade naquele ambiente, chegou o momento de executar a sua tarefa, aparentemente muito simples.
Retirou o potinho da bolsa, aproximou-se da grande lixeira de tampa basculante posicionada ao lado do bebedouro e percebeu que seus resíduos corporais haviam vazado e que a sacola estava cheia de urina. Irritação!
“Bom”, pensou, “é só tirar a sacolinha molhada dentro da lixeira, pra não vazar tudo, e jogá-la. Simples.”
Partiu para a ação com a delicadeza que seu nojinho exigia. Com a ponta dos dedos, a tampa da lixeira semi-aberta, foi retirando a sacola besuntada de seus líquidos. Acontece que a delicadeza não era um traço exatamente marcante de seu temperamento e... o pior aconteceu: lá se foram, lixeira adentro, a sacola com o potinho junto.
Sentiu o rosto queimar. Pensando, muito do rapidamente, constatou que a lixeira tinha apenas copinhos descartáveis, não havendo, portanto, muitos problemas de ordem higiênica se introduzisse sua mão lá dentro a fim de resgatar aquele infeliz fugitivo.
Foi colocando a mão, o peito aos borbotões. Constatou uma segunda coisa: o potinho cheio, por uma ironia das leis da física, era mais pesado que os copinhos vazios. Começou a praguejar interiormente, o rosto ainda mais quente e, possivelmente, muito vermelho.
Introduziu um pouco mais o braço mas este movimento, aliado à força da gravidade só fez com que o pote adentrasse ainda mais a lixeira. Aí começou mesmo a xingar. Por dentro, todas as imprecações que pôde foram proferidas. Não julgo ser necessário explicitar os vocábulos utilizados, devo apenas dizer que possuía uma certa propensão natural às palavras de baixo calão. O que de mais chulo, em se tratando de impropérios, foi dito naquele momento por ela.
Começou a suar. E a situação se repetindo: quanto mais colocava o braço, mais o potinho descia. E nisso permaneceu até que se encontrou no patético de estar com o braço todo, t o d i n h o, afundado na lixeira. E nem sinal do pote, nem um contato deste com seus dedos.
Quando caiu em si, achou por bem desistir da empreitada, já tinha se exposto mais que o suficiente por uma manhã.
Ergueu-se e deu de cara com a atendente:
- Pois não? (cara de paisagem)
Era já a próxima da fila e solicitou, cheia de soberba:
- Um potinho para exame de urina, por favor.
Pegou o novo potinho e quase saiu correndo, os olhos bêbados a fim de não fitar ninguém da fila.
Ainda pôde ouvir, numa inconveniente e desnecessária solicitude:
- Só para pegar o coletor, não é preciso ficar na fila.