quinta-feira, setembro 08, 2005

A tarde


Estava num posto de saúde.
Uma velha senhora com os cabelos quase totalmente brancos, contrastando com o negro da pele cansada. Mas não era a cor de seus cabelos que chamava a atenção mas, antes, os claros sinais de que haviam permanecido com bobes por muito tempo. É provável que a noite tenha sido de desconforto; por causa deles e da ansiedade, talvez mal tenha podido conciliar o sono. Mas o sacrifício valera a pena. Agora seu cabelo estava muito arrumado, grandes cachos crisalhos enrolados para dentro.
Toda sua pessoa denotava um esmero para aquela situação: as correntes douradas, a roupa correta, a velha bolsa de alças puídas. Seu ser exalava uma dignidade difícil de se encontrar. Dignidade de gente simples, de uma vida sem grandes arroubos. Aquela dignidade de quem passa pela vida com muita dificuldade, nunca se deixando seduzir pelos sustos.
Um sorriso muito claro nos lábios já frouxos.
Havia tanta sabedoria naqueles lábios e cachos de bobes, tamanha falta de complicação em arrumar-se tanto e deveras para se consultar num posto de saúde de bairro, tão anônima que mal seria notada não fosse pela grandeza. Uma vida de plácidos acontecimentos.
Foi chamada pela médica e saiu do consultório com as mãos cheias de papéis, o rosto cansado demonstrando emoção diante de tantos acontecimentos que estariam por acontecer. Contou, rapidamente, para a visinha da sala de espera que deveria fazer vários exames. Depois, contou tudo novamente para a recepcionista distraída, mostrou-lhe os papéis. De certo não era nada grave, apenas rotina, já que transparecia em sua fisionomia uma certa alegria, como que um orgulho até. Estivera certa em se arrumar tanto; agora, era merecedora de toda atenção do médico, ele até a estava indicando a outros. Deveria ter se comportado muito bem, ter sido uma boa paciente.Era um ser de cuja vida, outros deveriam se ocupar.
Despediu-se tão sorridente, atarefada e simples, que encheu a tarde do mundo de ternura.

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