segunda-feira, outubro 31, 2005

Sonho de uma noite de verão - W. Shakespeare

QUINCE — Está aqui toda a nossa companhia? (...) Aqui está o papel com a indicação do nome de todos os que em Atenas foram considerados capazes de representar o nosso interlúdio, diante do du­que e da du­que­sa, na tarde do dia do seu ca­sa­men­to. (...) Respondei à medida que eu for cha­man­do. Nick Bottom, tecelão!
BOTTOM — Presente. Dizei qual seja a minha parte e prossegui.
QUINCE — Vós, Nick Bottom, estais inscrito para o papel de Píramo.
BOTTOM — Quem é Píramo? Amante ou tirano?
QUINCE — Amante, que se mata ga­lan­te­men­te por questões de amor.
BOTTOM — Para sua execução será forçoso derramar algumas lágrimas. Se me toca esse papel, a assistência que tome conta dos olhos; provocarei tempestades, saberei de algum modo lamentar-me. Vamos aos outros. Contudo, ficaria melhor no papel de tirano; daria um Hércules de mão cheia, um rompe-e-rasga de partir um gato em dois. O pico furioso no mar estrondoso já vem tor­men­toso romper a prisão. O carro nitente de Fibo esplendente vencer não consente o fado bufão. Gran­dio­so! No­meai agora os outros comediantes. Essa é a ver­da­dei­ra dis­po­si­ção de Ercles, a disposição de um tirano. Um apaixonado é mais sen­ti­men­tal.
QUINCE — Francisco Flauta, re­men­da-fo­les.
FLAUTA — Presente, Peter Quince.
QUINCE — Tereis de ficar com Tis­be.
FLAUTA — Quem é Tisbe? Ca­va­lei­ro andante?
QUINCE — É a mulher que Píramo deve amar.
FLAUTA — Ora, por minha fé, não me deis papel de mulheres; a barba já me está a apontar.
QUINCE — Pouco im­por­ta; re­pre­sen­ta­reis de más­ca­ra, fi­can­do ao vosso arbítrio falar com voz tão fina quanto quiserdes.
BOTTOM — Se eu puder ocultar o rosto, dai-me também o papel de Tisbe; falarei com uma vozinha monstruosa: Tisne! Tisne! Ah, Píramo, meu grande amor! A tua querida Tisbe, a tua esposa idolatrada!
QUINCE — Não! Não! Re­pre­sen­ta­reis Píramo, e vós, Flauta, Tis­be.
BOTTOM — Está bem; prossegui.
(...)
QUINCE — Robim Starveling, tereis de fazer o papel da mãe de Tisbe. Tom Snout, caldeireiro. (...) Vós, o pai de Píramo; eu, o pai de Tisbe; a Snug, marceneiro, tocará o papel do leão. Penso que desse modo fica bem arranjada a comédia.
SNUG — Já está escrita a parte do leão? Se a tiverdes aí, dai-ma logo, por obséquio, que eu sou um tanto lerdo para aprender as coisas.
QUINCE — Tereis de representá-la ex tempore, por consistir tudo apenas em rugir.
BOTTOM — Dai-me, também, o papel de leão. Hei de rugir de maneira que ficarão comovidos os corações; hei de rugir de modo tal, que o duque exclamará: Que ruja outra vez! Que ruja outra vez!
QUINCE — Se o fizerdes por ma­nei­ra muito terrível, incutireis pavor na duquesa e nas demais senhoras, a ponto de soltarem gritos, o que seria mais que suficiente para nos enforcarem a todos.
TODOS — Para nos enforcarem. As nossas mães perderiam os filhos.
BOTTOM — Concordo, amigos, que, se de susto fizerdes as senhoras perder o juízo, só lhes restará a discrição de nos enforcar. Mas no meu caso agravarei de tal modo a voz, até rugir tão do­ce­men­te como uma pombinha mamante; rugirei como um rouxinol.
(...)

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