A REBELIÃO DAS BARATAS
Era uma pessoa boa. Um tanto quanto neurótica, mas boa.
Porém, não foi exatamente por bondade que deixou a barata fugir pelo ralo do banheiro, ajudando-a com uma vassoura. A verdade é que sentia uma abominação tão grande por esta nojeirinha pré-histórica que, o que pudesse fazer para evitar um confronto, seria feito. Neste caso, a saída foi espantar o bicho pelo ralo, não sem claras recomendações de que não retornasse jamais ali, já que não era bem quista naquele imaculado lar.
- Estou te "dando um boi” , heim?
Era assim. Gostava que as coisas ficassem sempre muito bem esclarecidas.
E, sem mais percalços, seguiu a rotina de seu fim de noite: usou o banheiro, tirou as lentes de contato de elevadíssimo grau, deitou-se, leu e dormiu com pensamentinhos míopes.
Lá pelo meio da madrugada acordou de sobressalto; precisava, nova e urgentemente, desfazer-se de suas águas interiores.
Caminhou trôpega até o banheiro e, ao abrir a porta, eis que se depara com o que de mais horrendo (em sua concepção deturpada de horror) poderia haver: em seu belo tapete de crochê, três seres de tamanhos diferentes imprimiam àquela que seria uma cena cotidianamente fisiológica, um cunho medonho de asco e drama.
Poucas vezes na vida se sentira tão indignada com a ingratidão alheia. Apesar de serem seres, em sua totalidade, repugnantes, não poderia imaginar também que as baratas fossem completamente destituídas de caráter.
E saiu, madrugada afora, a gritar impropérios:
- Ingrata!!! É assim que você reconhece a minha benevolência para com o seu ser mediocremente leviano? Eu poupo a sua vida, facilito a sua fuga quando você era uma condenada à morte iminente e você me paga deste jeito, trazendo toda a sua família para criar uma rebelião de ecossistema bem no MEU banheiro? Pois agora você vai ver... (não podia mesmo com a ingratidão)...vai provar, ah vai, o sabor da minha ira.
Afetadíssima, foi buscar o spray de inseticida e...tssss tsss tssss tssss, foi esguichando toda sua revolta naquela mal-agradecida e em suas comparsas em meio a gritos:
- Você vai ver quem sou. Você e suas amiguinhas. MORRAM estupores.
E tssssss, lá ficou até acabar com a lata toda de detefon. Definitivamente, aquilo era uma afronta. Sentia-se ludibriada, subestimada por aquela tentativa animal de confronto à sua pessoa. “Ousadia”, pensou ainda antes de fechar a porta do banheiro e ir ao quintal fazer aquele raio de xixi, que também era uma bosta essa história de ter de ficar indo ao banheiro toda hora e já estava irritada e tudo estava errado mesmo neste mundo, droga! e foi dormir.
No outro dia, pela manhã, o filho acordou antes, como de costume:
- Mamãe, eu vou no banheiro, tá?
Lembrou-se imediatamente do episódio da madrugada anterior e se enfureceu ao pensar na problemática da remoção do corpos.
- Cuidado que tem um monte de baratas mortas lá dentro.
O menino foi.
- Mãe, não tem barata nenhuma lá no banheiro.
- Como não? Saco!! Você pisou. Tira esse chinelo sujo, vai.
Levantou-se esbravejante, colocou as lentes, pegou uma vassoura, a pá, rogou clemência e se encaminhou para o campo de batalha. Teria até se benzido se fosse uma pessoa religiosa.
Chegando ao banheiro, viu no tapetinho os três motivos de toda a sua fúria: três tufos de poeira, provavelmente caídos da vassoura no momento da operação “fuja antes que eu me arrependa”.
Três tufos de poeira. Eis a forma encarnada da desmoralização.
Era uma pessoa boa. Um tanto quanto neurótica, mas boa.
Porém, não foi exatamente por bondade que deixou a barata fugir pelo ralo do banheiro, ajudando-a com uma vassoura. A verdade é que sentia uma abominação tão grande por esta nojeirinha pré-histórica que, o que pudesse fazer para evitar um confronto, seria feito. Neste caso, a saída foi espantar o bicho pelo ralo, não sem claras recomendações de que não retornasse jamais ali, já que não era bem quista naquele imaculado lar.
- Estou te "dando um boi” , heim?
Era assim. Gostava que as coisas ficassem sempre muito bem esclarecidas.
E, sem mais percalços, seguiu a rotina de seu fim de noite: usou o banheiro, tirou as lentes de contato de elevadíssimo grau, deitou-se, leu e dormiu com pensamentinhos míopes.
Lá pelo meio da madrugada acordou de sobressalto; precisava, nova e urgentemente, desfazer-se de suas águas interiores.
Caminhou trôpega até o banheiro e, ao abrir a porta, eis que se depara com o que de mais horrendo (em sua concepção deturpada de horror) poderia haver: em seu belo tapete de crochê, três seres de tamanhos diferentes imprimiam àquela que seria uma cena cotidianamente fisiológica, um cunho medonho de asco e drama.
Poucas vezes na vida se sentira tão indignada com a ingratidão alheia. Apesar de serem seres, em sua totalidade, repugnantes, não poderia imaginar também que as baratas fossem completamente destituídas de caráter.
E saiu, madrugada afora, a gritar impropérios:
- Ingrata!!! É assim que você reconhece a minha benevolência para com o seu ser mediocremente leviano? Eu poupo a sua vida, facilito a sua fuga quando você era uma condenada à morte iminente e você me paga deste jeito, trazendo toda a sua família para criar uma rebelião de ecossistema bem no MEU banheiro? Pois agora você vai ver... (não podia mesmo com a ingratidão)...vai provar, ah vai, o sabor da minha ira.
Afetadíssima, foi buscar o spray de inseticida e...tssss tsss tssss tssss, foi esguichando toda sua revolta naquela mal-agradecida e em suas comparsas em meio a gritos:
- Você vai ver quem sou. Você e suas amiguinhas. MORRAM estupores.
E tssssss, lá ficou até acabar com a lata toda de detefon. Definitivamente, aquilo era uma afronta. Sentia-se ludibriada, subestimada por aquela tentativa animal de confronto à sua pessoa. “Ousadia”, pensou ainda antes de fechar a porta do banheiro e ir ao quintal fazer aquele raio de xixi, que também era uma bosta essa história de ter de ficar indo ao banheiro toda hora e já estava irritada e tudo estava errado mesmo neste mundo, droga! e foi dormir.
No outro dia, pela manhã, o filho acordou antes, como de costume:
- Mamãe, eu vou no banheiro, tá?
Lembrou-se imediatamente do episódio da madrugada anterior e se enfureceu ao pensar na problemática da remoção do corpos.
- Cuidado que tem um monte de baratas mortas lá dentro.
O menino foi.
- Mãe, não tem barata nenhuma lá no banheiro.
- Como não? Saco!! Você pisou. Tira esse chinelo sujo, vai.
Levantou-se esbravejante, colocou as lentes, pegou uma vassoura, a pá, rogou clemência e se encaminhou para o campo de batalha. Teria até se benzido se fosse uma pessoa religiosa.
Chegando ao banheiro, viu no tapetinho os três motivos de toda a sua fúria: três tufos de poeira, provavelmente caídos da vassoura no momento da operação “fuja antes que eu me arrependa”.
Três tufos de poeira. Eis a forma encarnada da desmoralização.
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