É bem grande. Quem quiser que se habilite.
Seguro-Desemprego
Depois de longos e caprichados anos de serviços prestados à educação universitária, fui despejada de meu emprego. Obesa e sem rendas, eis me presa nas malhas da burocracia. Aviso prévio, exame médico, papéis, homologação, sindicato, advogado, carimbos, papéis, FGTS, abre conta, fecha conta, papéis, bancos, papéis, dá entrada, aguarda 30 dias, papéis, pede cartão, digita senha, pega fila, papéis, um sem fim deles. Mas nada se comparava ao pesadelo que me aguardava: o seguro-desemprego.
Tenho a impressão de ter ouvido certa vez que, se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia. Tive, então, uma oportunidade sem igual para comprovar quão sábia é a sabedoria popular. Em visita a uma amiga, despedida antes de mim, não só ouvi quanto adotei a “excelente” idéia de dar entrada na documentação toda em uma cidade vizinha, tranqüila e com agências vazias, o contrário de onde moramos. Não que nossa cidade seja uma megalópole, mas é um lugar com muitos clientes do Serviço Social, por assim dizer.
Ao adotar a sugestão de minha cara amiga, deixei, fatidicamente, de levar em consideração um fator imprescindível para o sucesso da operação: ela, a amiga, possui carro. Eu, não. E como também me parece, a toda ação corresponde uma reação, para o tal oásis bancário há ônibus somente de hora em hora. Tanto de ida quanto de volta. Mas, pessoa de fé que sou, encarei a empreitada; quase uma hora esperando o coletivo mais quase uma hora de viagem, senha, papéis, etc e tal, entrada dada. Uma semana depois, o retorno ao bucólico local. Mais senha, mais fila, a rotina costumeira, um mês de espera e o dinheiro poderia ser sacado, quanta facilidade, até em uma casa lotérica caso eu tivesse um cartão especial para tais operações, o qual, é claro, eu não tinha. Cartão pedido, agora era só contar estar em casa, com sorte, em umas três horas para esperar o restante dos trinta dias para o saque.
Gente, eu nunca pensei que desse tanto trabalho ser desocupada, mas não é que dá? Em meio a muitíssimas tarefas, temi até perder o prazo e me atrasar para o saque. Não o perdi e para não parecer ansiosa, ao invés de 30, fui sacar meu rico dinheirinho depois de 32 dias. Uma infinidade para uma pessoa como eu, que tem a doença da espera. Por ironia do destino, estava em outra cidade e, para achar a tal agência bancária devo ter andado uns bons de uns tantos quilômetros. Engraçado que, independente do parâmetro de distância da pessoa a quem se pede uma informação, se você é forasteiro em algum lugar, os nativos sempre vão achar que aquele lugar é perto. Pois, de cada em cada monte de quarteirões nos quais pedia informação, sempre ouvia dizer que devia seguir reto, muito lá para frente, que era longe. Bem longe. Se os nativos achavam que era longe, deveria ser quase nos limites do município vizinho. Nada animador, ainda mais quando se carrega nos braços uma sacola pesada, sob a garoa, sem guarda-chuva. Mas, são os ossos do orifício.
Finalmente encontrei o banco, nos confins do fim do mundo. Fila, cartão novo, senha, quantos números são mesmo? Achei engraçado não constar no menu do caixa eletrônico o item saldo ou saque e decidi, por bem, pedir ajuda ao funcionário de capa azul. Soube, então, que nos caixas eletrônicos nenhuma dessas operações seria possível; no banco só poderia saber se tinha dinheiro e, caso tivesse, sacá-lo, se pegasse a fila do caixa. Mas isso não seria mais possível pois as senhas para tal já se haviam esgotado. Poderia voltar no outro dia, mas bem de manhãzinha, para tentar pegar uma senha ou, se quisesse, sacar o dinheiro em qualquer casa lotérica, sim, mesmo sendo o primeiro saque. Isso era bom, afinal, devia ter passado por aproximadamente umas 27 enquanto tentava chegar à agência. Que problemas mais poderia ter?
Casa lotérica encontrada, mega sena acumulada, muitos milhões contra os centos reais que eu tentava sacar. A fila na rua (ainda garoava) era só um detalhe burlesco, afinal, dentro em pouco seria uma pessoa praticamente rica.
Seria, do verbo não serei mais. Nada de dinheiro. Já me deu um apavoro mas, que bobagem, era muito apressada também, amanhã voltaria, amanhã não, que seria feriado, depois de amanhã, não, também não, seria sábado, domingo também, há, há, há. Segunda-feira tudo estaria resolvido. Só que segunda seria um dia especial, na verdade, não poderia nem sair de casa, mas, enfim, segunda veríamos.
Veríamos, sim, talvez num futuro próximo, quem sabe? Segunda-feira, pós dia 10 feriado. Havia filas até para lamber pontas de sapato. As contas do mundo todo estavam para ser pagas. A mesma sacola nos braços, mais pesada ainda. O telefone que não parava de tocar, o compromisso estourando no horário, precisava urgentemente voltar para casa, inferno. Entrego o cartão para a mocinha muito sorridente (eu quereria me matar em meio a um movimento daquele). Ela me devolve o cartão e um recibo: sem depósito.
E assim, dias e dias se passaram, sem depósito, sem depósito, sem depósito. Um dia, cansada de ver a minha cara, a funcionária pergunta:
- Faz mais de trinta dias?
- Faz. Quase sessenta.
- Ah, então, se não veio até agora, não vem mais. Você vai ter de ir ao banco.
Era tudo o que eu queria ouvir. Bom, não deve ser nada demais, vou na agência daqui mesmo, já está tudo feito, vai ser rápido. É, isso.
Decisão tomada, lá estou eu, pela manhã, seguindo por fora do banco uma fila que não acabava nunca. Lá atrás, uma fila para pegar uma senha para entrar em outra fila. Tempo proveitoso, vi várias promoções num catálogo, aliás, vendo excelentes cosméticos por uma módica quantia, precisando, já sabem. Preenchi dúzias de cupons para o sorteio do supermercado do meu bairro, fiz cruzadas, joguei no celular, conversei, suspirei demais. Três horas depois, fico sabendo que o sistema caiu mas já está voltando. De bicicleta, dizem meus companheiros de espera. Nada como manter a esportiva em situações estressantes. Mais uns quarenta minutos e finalmente vou adentrar o recinto bancário. Senha na mão, envelope pardo a postos com todos os números que me identificam como cidadã, posso, nem acredito, entrar. Outra funcionária de capa azul me encaminha para uma ----- de uma fila maior ainda que a de fora. Tende piedade, Senhor. Lá pelas tantas, nem ousava mais olhar no relógio. Chega a minha vez. Entrego cartão, RG, cartão de Pis, credenciais do último show em que fui, tudo, para a caixa que, placidamente, após digitar duas ou três coisinhas, me diz:
- Não tem depósito.
- (misericórdia) Que não tem depósito eu já sei, eu vim aqui para saber porquê.
- Isso eu não posso lhe informar. Só na agência onde você deu entrada no seguro.
Os enfileirados atrás de mim devem ter adorado pois não passei mais de 60 segundos no caixa. Vencidos a fome, a raiva e quantos mais sentimentos negativos houvessem disponíveis para aquela situação específica, voltei para casa a fim de me preparar para o outro dia. O outro não, que seria sábado. E assim vai a vida.
Segunda-feira, dia internacional de resolver problemas, achei melhor nem me meter nessa história que já estava enrolada além da conta. Mas no outro dia estava lá, na madrugada do ponto de ônibus, a fim de empreender a minha viagem de negócios.
Não devo lhes privar de um detalhe importantíssimo para ilustrar melhor a minha condição física: no dia anterior cruzei (ida e volta) praticamente ¼ da cidade de São Paulo com o sapato mais incrivelmente desconfortável e inadequado que se possa imaginar a fim de ir a uma cerimônia cheia de poetas engravatados (onde a arte vai parar assim meu deus?) Meus pés possuíam tantas bolhas que pareciam ter pego catapora ou qualquer outra doença bexiguenta qualquer.
Pois chego ao banco, louca para me sentar e sou avisada, ao pegar a senha, pelo guri do raio do avental azul:
- Hoje está bem cheio. A senhora pode dar uma volta e retornar daqui a uma hora e meia.
Só queria me sentar no ar-condicionado e fazer tricô, descansar meus pobres pezinhos... tem algo de errado nisto?
Saí e me sentei na praça, ápice da vida social daquele lugar.
No horário marcado, volto ao banco e aguardo. Sou chamada, vou ao guichê e entrego o envelope pardo todo à funcionária; explico-lhe a situação.
Ela olha tudo com olhos enigmáticos, confere dados, digita coisas, abre pastas, consulta pessoas:
- Seu pagamento está bloqueado.
- (não me diga!) Isso eu já sei, preciso só saber porquê.
- Também não sei. Você vai ter de ir ao Ministério do Trabalho.
- E aqui em Biritiba tem um? (como posso ser tão ridiculamente inocente?)
- Biritiba? (misto de surpresa e sarcasmo) Não, meu bem, só em São Paulo.
(Pra vocês terem idéia de quão enrolada está esta história – ou minha vida – acabei de ter uma queda de energia e perder tudo o que já tinha escrito. Se quiserem, posso até sinalizar lá na frente onde estava para vocês poderem rir mais frouxamente.)
Enfim, saí da agência espumando, os pés quase gangrenados, peguei a rua errada e me perdi. Sim, a cidade é pequena, minúscula até, mas sou capaz de me perder dentro de uma bola, quanto mais numa cidade desconhecida, cegada pela raiva.
Finalmente encontrei a rodoviária, porém, ninguém sabia me informar a que horas haveria um ônibus e nem mesmo se ali havia algum banheiro.
Exploração feita, banheiro encontrado, ao erguer minha calça ouço um roncar de motor. Se perdesse...
Saí correndo, zíper aberto, escadas pelo caminho, consegui, pelo menos isso, pegar o coletivo.
Sentada onde batia o sol, ao lado de um rapaz que não parava de bufar, voltei para minha tão estimada cidade-lar.
Fui direto para a estação, aqueles bagulhos todos que fazem um barulhão quando o trem está chegando fazendo um barulhão. Ele deveria estar chegando, depressa, tinha primeiro de ligar para o tal do Ministério do Trabalho para não ir a São Paulo à toa, com essa sorte toda...
Peço um cartão telefônico, o rapaz conversa animadamente com outro, o barulhão fazendo barulho, pressa, meu filho, pego o cartão, o valor cobrado não condiz com o anotado na grande faixa amarela na lateral do guichê, deixa quieto.
Passo a catraca correndo e descubro que era só um trem de carga. Muito bem, calma, respira, vamos ligar então.
- Por favor, até que horas vocês funcionam?
- Até às 4h (engraçado como os serviços públicos tem horários adequadíssimos às necessidades do público).
- É que estou saindo de Mogi e...
- São quase duas da tarde, se você chegar aqui quatro e um, fechamos o portão independente de onde você esteja vindo.
- Tudo bem, eu só preciso saber se, chegando no horário, serei atendida. Se tem senhas e...
- Tem senha sim, mas a gente vai fechar quatro horas.
- (engoli uma grande corrente de ar para empurrar um palavrão bem mal-educado, aquele, de quatro letras) Tá, mas suponhamos que eu consiga chegar antes das quatro, mesmo tendo senha, serei atendida?
- Só se chegar antes das quatro horas.
Fui. Trem, baldeação, metrô. Na saída, a dúvida: pra que lado vou?
Lado escolhido, saio e avisto dois guardas logo à frente.
- Por favor, onde fica o Ministério do Trabalho?
- Ah, longe, bem longe, vai ter que dar a volta toda por aqui. Você deveria ter saído pelo outro lado.
- Posso entrar de novo para sair pelo lado certo?
- Não, saiu, saiu.
Ainda não entendi porque nunca há um guarda do metrô do lado de dentro para poder ajudar a quem precisa, mas...
Dei a volta toda, cruzei todo o Vale do Anhangabaú, e segui tomando informações das pessoas. Aprendi que, quando alguém diz “primeiro farol à esquerda” quer dizer “primeiro farol depois do segundo farol”. Até que, meu último informante disse as palavras mágicas: estou indo pra lá.
- De onde você é?
- De Mogi.
- Nossa!
- Mas na verdade, estou vindo de outra cidade, chamada Biritiba. É uma longa historia.
- Olha, não sei não, mas eu, se fosse você, alugaria um hotelzinho por aqui mesmo e voltaria só amanhã.
- Obrigada. (deveras animador)
Me deixou na porta. Lá dentro, a rotina, já costumeira. Conta seu caso, pega uma senha e espera pelo letreiro eletrônico para contar a história toda de novo.
Fui chamada e, mais uma vez, expliquei para a funcionária há quanto tempo havia feito o pedido e tudo o mais. Pediu meus documentos, deu uma olhadinha no computador e sentenciou:
- Seu nome é Andréa?
- Sim.
- Em 1995, você foi cadastrada como Andréia.
- ????
- Por isso seu pagamento foi bloqueado.
- Por?
- Por causa do “i”.
- Por causa de um “i”?
- É, por causa de um “i” (enfado). Agora você tira xerox dos seus documentos e me traz.
- Aqui dentro tem xerox?
- (cara de ó) Não. Só lá fora.
Saí, procurei uma copiadora, tirei as cópias e entreguei à funcionária.
- E agora?
- Agora é só aguardar, de quinze a trinta dias, para receber seu seguro.
Estou no prazo. Estou esperando. Se alguém tem amor no coração, torça para que dê certo. Ou então espere para ler o volume dois desta saga.
Tenho a impressão de ter ouvido certa vez que, se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia. Tive, então, uma oportunidade sem igual para comprovar quão sábia é a sabedoria popular. Em visita a uma amiga, despedida antes de mim, não só ouvi quanto adotei a “excelente” idéia de dar entrada na documentação toda em uma cidade vizinha, tranqüila e com agências vazias, o contrário de onde moramos. Não que nossa cidade seja uma megalópole, mas é um lugar com muitos clientes do Serviço Social, por assim dizer.
Ao adotar a sugestão de minha cara amiga, deixei, fatidicamente, de levar em consideração um fator imprescindível para o sucesso da operação: ela, a amiga, possui carro. Eu, não. E como também me parece, a toda ação corresponde uma reação, para o tal oásis bancário há ônibus somente de hora em hora. Tanto de ida quanto de volta. Mas, pessoa de fé que sou, encarei a empreitada; quase uma hora esperando o coletivo mais quase uma hora de viagem, senha, papéis, etc e tal, entrada dada. Uma semana depois, o retorno ao bucólico local. Mais senha, mais fila, a rotina costumeira, um mês de espera e o dinheiro poderia ser sacado, quanta facilidade, até em uma casa lotérica caso eu tivesse um cartão especial para tais operações, o qual, é claro, eu não tinha. Cartão pedido, agora era só contar estar em casa, com sorte, em umas três horas para esperar o restante dos trinta dias para o saque.
Gente, eu nunca pensei que desse tanto trabalho ser desocupada, mas não é que dá? Em meio a muitíssimas tarefas, temi até perder o prazo e me atrasar para o saque. Não o perdi e para não parecer ansiosa, ao invés de 30, fui sacar meu rico dinheirinho depois de 32 dias. Uma infinidade para uma pessoa como eu, que tem a doença da espera. Por ironia do destino, estava em outra cidade e, para achar a tal agência bancária devo ter andado uns bons de uns tantos quilômetros. Engraçado que, independente do parâmetro de distância da pessoa a quem se pede uma informação, se você é forasteiro em algum lugar, os nativos sempre vão achar que aquele lugar é perto. Pois, de cada em cada monte de quarteirões nos quais pedia informação, sempre ouvia dizer que devia seguir reto, muito lá para frente, que era longe. Bem longe. Se os nativos achavam que era longe, deveria ser quase nos limites do município vizinho. Nada animador, ainda mais quando se carrega nos braços uma sacola pesada, sob a garoa, sem guarda-chuva. Mas, são os ossos do orifício.
Finalmente encontrei o banco, nos confins do fim do mundo. Fila, cartão novo, senha, quantos números são mesmo? Achei engraçado não constar no menu do caixa eletrônico o item saldo ou saque e decidi, por bem, pedir ajuda ao funcionário de capa azul. Soube, então, que nos caixas eletrônicos nenhuma dessas operações seria possível; no banco só poderia saber se tinha dinheiro e, caso tivesse, sacá-lo, se pegasse a fila do caixa. Mas isso não seria mais possível pois as senhas para tal já se haviam esgotado. Poderia voltar no outro dia, mas bem de manhãzinha, para tentar pegar uma senha ou, se quisesse, sacar o dinheiro em qualquer casa lotérica, sim, mesmo sendo o primeiro saque. Isso era bom, afinal, devia ter passado por aproximadamente umas 27 enquanto tentava chegar à agência. Que problemas mais poderia ter?
Casa lotérica encontrada, mega sena acumulada, muitos milhões contra os centos reais que eu tentava sacar. A fila na rua (ainda garoava) era só um detalhe burlesco, afinal, dentro em pouco seria uma pessoa praticamente rica.
Seria, do verbo não serei mais. Nada de dinheiro. Já me deu um apavoro mas, que bobagem, era muito apressada também, amanhã voltaria, amanhã não, que seria feriado, depois de amanhã, não, também não, seria sábado, domingo também, há, há, há. Segunda-feira tudo estaria resolvido. Só que segunda seria um dia especial, na verdade, não poderia nem sair de casa, mas, enfim, segunda veríamos.
Veríamos, sim, talvez num futuro próximo, quem sabe? Segunda-feira, pós dia 10 feriado. Havia filas até para lamber pontas de sapato. As contas do mundo todo estavam para ser pagas. A mesma sacola nos braços, mais pesada ainda. O telefone que não parava de tocar, o compromisso estourando no horário, precisava urgentemente voltar para casa, inferno. Entrego o cartão para a mocinha muito sorridente (eu quereria me matar em meio a um movimento daquele). Ela me devolve o cartão e um recibo: sem depósito.
E assim, dias e dias se passaram, sem depósito, sem depósito, sem depósito. Um dia, cansada de ver a minha cara, a funcionária pergunta:
- Faz mais de trinta dias?
- Faz. Quase sessenta.
- Ah, então, se não veio até agora, não vem mais. Você vai ter de ir ao banco.
Era tudo o que eu queria ouvir. Bom, não deve ser nada demais, vou na agência daqui mesmo, já está tudo feito, vai ser rápido. É, isso.
Decisão tomada, lá estou eu, pela manhã, seguindo por fora do banco uma fila que não acabava nunca. Lá atrás, uma fila para pegar uma senha para entrar em outra fila. Tempo proveitoso, vi várias promoções num catálogo, aliás, vendo excelentes cosméticos por uma módica quantia, precisando, já sabem. Preenchi dúzias de cupons para o sorteio do supermercado do meu bairro, fiz cruzadas, joguei no celular, conversei, suspirei demais. Três horas depois, fico sabendo que o sistema caiu mas já está voltando. De bicicleta, dizem meus companheiros de espera. Nada como manter a esportiva em situações estressantes. Mais uns quarenta minutos e finalmente vou adentrar o recinto bancário. Senha na mão, envelope pardo a postos com todos os números que me identificam como cidadã, posso, nem acredito, entrar. Outra funcionária de capa azul me encaminha para uma ----- de uma fila maior ainda que a de fora. Tende piedade, Senhor. Lá pelas tantas, nem ousava mais olhar no relógio. Chega a minha vez. Entrego cartão, RG, cartão de Pis, credenciais do último show em que fui, tudo, para a caixa que, placidamente, após digitar duas ou três coisinhas, me diz:
- Não tem depósito.
- (misericórdia) Que não tem depósito eu já sei, eu vim aqui para saber porquê.
- Isso eu não posso lhe informar. Só na agência onde você deu entrada no seguro.
Os enfileirados atrás de mim devem ter adorado pois não passei mais de 60 segundos no caixa. Vencidos a fome, a raiva e quantos mais sentimentos negativos houvessem disponíveis para aquela situação específica, voltei para casa a fim de me preparar para o outro dia. O outro não, que seria sábado. E assim vai a vida.
Segunda-feira, dia internacional de resolver problemas, achei melhor nem me meter nessa história que já estava enrolada além da conta. Mas no outro dia estava lá, na madrugada do ponto de ônibus, a fim de empreender a minha viagem de negócios.
Não devo lhes privar de um detalhe importantíssimo para ilustrar melhor a minha condição física: no dia anterior cruzei (ida e volta) praticamente ¼ da cidade de São Paulo com o sapato mais incrivelmente desconfortável e inadequado que se possa imaginar a fim de ir a uma cerimônia cheia de poetas engravatados (onde a arte vai parar assim meu deus?) Meus pés possuíam tantas bolhas que pareciam ter pego catapora ou qualquer outra doença bexiguenta qualquer.
Pois chego ao banco, louca para me sentar e sou avisada, ao pegar a senha, pelo guri do raio do avental azul:
- Hoje está bem cheio. A senhora pode dar uma volta e retornar daqui a uma hora e meia.
Só queria me sentar no ar-condicionado e fazer tricô, descansar meus pobres pezinhos... tem algo de errado nisto?
Saí e me sentei na praça, ápice da vida social daquele lugar.
No horário marcado, volto ao banco e aguardo. Sou chamada, vou ao guichê e entrego o envelope pardo todo à funcionária; explico-lhe a situação.
Ela olha tudo com olhos enigmáticos, confere dados, digita coisas, abre pastas, consulta pessoas:
- Seu pagamento está bloqueado.
- (não me diga!) Isso eu já sei, preciso só saber porquê.
- Também não sei. Você vai ter de ir ao Ministério do Trabalho.
- E aqui em Biritiba tem um? (como posso ser tão ridiculamente inocente?)
- Biritiba? (misto de surpresa e sarcasmo) Não, meu bem, só em São Paulo.
(Pra vocês terem idéia de quão enrolada está esta história – ou minha vida – acabei de ter uma queda de energia e perder tudo o que já tinha escrito. Se quiserem, posso até sinalizar lá na frente onde estava para vocês poderem rir mais frouxamente.)
Enfim, saí da agência espumando, os pés quase gangrenados, peguei a rua errada e me perdi. Sim, a cidade é pequena, minúscula até, mas sou capaz de me perder dentro de uma bola, quanto mais numa cidade desconhecida, cegada pela raiva.
Finalmente encontrei a rodoviária, porém, ninguém sabia me informar a que horas haveria um ônibus e nem mesmo se ali havia algum banheiro.
Exploração feita, banheiro encontrado, ao erguer minha calça ouço um roncar de motor. Se perdesse...
Saí correndo, zíper aberto, escadas pelo caminho, consegui, pelo menos isso, pegar o coletivo.
Sentada onde batia o sol, ao lado de um rapaz que não parava de bufar, voltei para minha tão estimada cidade-lar.
Fui direto para a estação, aqueles bagulhos todos que fazem um barulhão quando o trem está chegando fazendo um barulhão. Ele deveria estar chegando, depressa, tinha primeiro de ligar para o tal do Ministério do Trabalho para não ir a São Paulo à toa, com essa sorte toda...
Peço um cartão telefônico, o rapaz conversa animadamente com outro, o barulhão fazendo barulho, pressa, meu filho, pego o cartão, o valor cobrado não condiz com o anotado na grande faixa amarela na lateral do guichê, deixa quieto.
Passo a catraca correndo e descubro que era só um trem de carga. Muito bem, calma, respira, vamos ligar então.
- Por favor, até que horas vocês funcionam?
- Até às 4h (engraçado como os serviços públicos tem horários adequadíssimos às necessidades do público).
- É que estou saindo de Mogi e...
- São quase duas da tarde, se você chegar aqui quatro e um, fechamos o portão independente de onde você esteja vindo.
- Tudo bem, eu só preciso saber se, chegando no horário, serei atendida. Se tem senhas e...
- Tem senha sim, mas a gente vai fechar quatro horas.
- (engoli uma grande corrente de ar para empurrar um palavrão bem mal-educado, aquele, de quatro letras) Tá, mas suponhamos que eu consiga chegar antes das quatro, mesmo tendo senha, serei atendida?
- Só se chegar antes das quatro horas.
Fui. Trem, baldeação, metrô. Na saída, a dúvida: pra que lado vou?
Lado escolhido, saio e avisto dois guardas logo à frente.
- Por favor, onde fica o Ministério do Trabalho?
- Ah, longe, bem longe, vai ter que dar a volta toda por aqui. Você deveria ter saído pelo outro lado.
- Posso entrar de novo para sair pelo lado certo?
- Não, saiu, saiu.
Ainda não entendi porque nunca há um guarda do metrô do lado de dentro para poder ajudar a quem precisa, mas...
Dei a volta toda, cruzei todo o Vale do Anhangabaú, e segui tomando informações das pessoas. Aprendi que, quando alguém diz “primeiro farol à esquerda” quer dizer “primeiro farol depois do segundo farol”. Até que, meu último informante disse as palavras mágicas: estou indo pra lá.
- De onde você é?
- De Mogi.
- Nossa!
- Mas na verdade, estou vindo de outra cidade, chamada Biritiba. É uma longa historia.
- Olha, não sei não, mas eu, se fosse você, alugaria um hotelzinho por aqui mesmo e voltaria só amanhã.
- Obrigada. (deveras animador)
Me deixou na porta. Lá dentro, a rotina, já costumeira. Conta seu caso, pega uma senha e espera pelo letreiro eletrônico para contar a história toda de novo.
Fui chamada e, mais uma vez, expliquei para a funcionária há quanto tempo havia feito o pedido e tudo o mais. Pediu meus documentos, deu uma olhadinha no computador e sentenciou:
- Seu nome é Andréa?
- Sim.
- Em 1995, você foi cadastrada como Andréia.
- ????
- Por isso seu pagamento foi bloqueado.
- Por?
- Por causa do “i”.
- Por causa de um “i”?
- É, por causa de um “i” (enfado). Agora você tira xerox dos seus documentos e me traz.
- Aqui dentro tem xerox?
- (cara de ó) Não. Só lá fora.
Saí, procurei uma copiadora, tirei as cópias e entreguei à funcionária.
- E agora?
- Agora é só aguardar, de quinze a trinta dias, para receber seu seguro.
Estou no prazo. Estou esperando. Se alguém tem amor no coração, torça para que dê certo. Ou então espere para ler o volume dois desta saga.
Um comentário:
CONSULTÓRIO PSIQUIÁTRICO E CONSELHOS GRÁTIS
[por Dra. Marpessa de Castro, PhD em solução de problemas alheios]
andreIa, você já reparou que todos os seus problemas se originam exclusivamente na sua incompetência crônica para pedir as informações corretas, usar o telefone mais freqüentemente, enfim, esclarecer situações que são sombrias por natureza? sabe, andrea, os meandros burocráticos brasileiros são terríveis. há que se preparar muito bem ANTES de pensar em sair de casa, entende? e claro, se você não tivesse tido a idéia genial de dar entrada no treco em BIRITIBA MIRIM, se tivesse PENSADO (sabe, aquilo que se faz com o cérebro?), quem sabe as coisas tivessem se resolvido antes. mas não, você é uma criatura teimosa.
você, minha doce amiga, não aprende. eu já te disse que o teu problema é organizacional. não existe uma pessoa MENOS organizada do que você. por isso não há como ter pena da sua situação, apenas torcer para que tempos melhores aconteçam e você possa receber seu sonhado-suado-sofrido dinheirinho.
mas, vou te dizer: obesa e sem rendas foi excelente.
(e eu adoro te dar duras hehehehe)
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